Um remédio chamado 5G

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O estado do sistema de saúde angolano é crítico e precisa de um tratamento de choque. Mais médicos, mais hospitais, mais políticas públicas. E mais tecnologia. As novas redes móveis 5G podem ser uma das soluções para levar a assistência básica às zonas rurais e ajudar a resolver a falta crónica de médicos e especialistas que asfixia a saúde angolana.

Silvio Almada, Presidente da AAPSI

Uma prolongada e aguda dor de cabeça, assim poderíamos descrever a saúde em Angola. A infra-estrutura hospitalar do país é precária e insuficiente. Se nas cidades a falta de recursos humanos e insumos é grave, em muitos pontos do interior do país nem o básico existe. O diagnóstico é preocupante e exige um urgente cocktail de medicamentos de muitas cores.

A nova tecnologia 5G, dizem os especialistas, pode fazer parte desta receita, detonando um elemento activo conhecido por “telemedicina”. As experiências noutras partes do mundo dão-nos perspectiva. Na análise “5G Verde: Construindo um Mundo Sustentável”, a Huawei descreve como a China criou um exitoso sistema de consultas à distância em comunidades onde faltavam médicos.

Importa lembrar que o Livro branco 5G verde foi lançado a 19 de Julho deste ano, numa parceria entre a organização global de consultoria e pesquisa, Analysys Mason, e a Huawei, a multinacional chinesa presente em Angola há mais de 20 anos, ao longo dos quais tem apoiado os sectores público e privado em termos de transformação digital.

Também em países mais avançados, as 5G estão a revolucionar a saúde. Na Inglaterra, conta o documento, o desenvolvimento das novas redes móveis permitiu driblar a pandemia de coronavírus, garantir a distância social entre médicos e pacientes e realizar 25,5 milhões de consultas remotas desde Março deste ano. Ferramentas como o Microsoft Teams ou aplicações móveis criadas exclusivamente para o sistema de saúde inglês lideraram a mudança de paradigma.

Casos como estes dão-nos pistas sobre como a chamada e-Health poderia ajudar Angola a suavizar algumas dores crónicas, entre as quais a falta de profissionais. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que no nosso país há apenas 2,1 médicos por cada 10 mil habitantes, entre 3 e 5 vezes menos que o recomendável. Os poucos que há, sabemos bem, concentram-se nas zonas urbanas, obrigando muitos angolanos a percorrer quilómetros e quilómetros para tentar chegar com vida a centros de saúde sem condições. A aposta em soluções potencializadas pelas 5G poderia, à semelhança de outros lugares do mundo, criar sistemas de consultas à distância com benefícios óbvios e imediatos.

A tecnologia agora à disposição pode também pôr um fim, ainda que paliativo, a ironias trágicas do nosso sistema de saúde. Como a dos aparelhos médicos de última geração, caríssimos, que apodrecem em hospitais porque ninguém os sabe usar. Algo parecido acontecia em centros de saúde chineses, lê-se em “5G Verde: Construindo um Mundo Sustentável”. Para reverter o quadro, as autoridades maximizaram o potencial da plataforma das consultas médicas à distância para ensinar os técnicos de comunidades pequenas a usar empoeirados aparelhos de tomografia e de ressonância magnética. No limite, a tecnologia 5G possibilitará até o controlo remoto destes dispositivos a partir de um simples telemóvel. Para Angola, soluções de formação como estas seriam um bálsamo.

Cirurgias à distância e uma injecção de adrenalina

A lista das vantagens da telemedicina é longa e inclui, entre outras, a possibilidade de enviar para os telemóveis dos médicos ficheiros pesados (diagnósticos, raios-x, exames) ou de usar aparelhos e sensores IoT (Internet das Coisas) para medir e monitorizar remotamente, e em tempo real, a evolução de doentes. Contudo, no campo da saúde, a tecnologia das “cirurgias à distância” é a que mais desperta a atenção mediática nesta nova era.

As operações remotas não são novidade, mas as 5G estão a elevá-las a outro nível. A baixa latência desta geração de redes móveis faz com que as indicações de um médico em qualquer ponto do mundo cheguem ao bloco operatório num milésimo de segundo. Impulsionadas por esta rapidez, equipas de tecnologia e saúde já trabalham para que, num futuro não muito distante, um cirurgião se possa sentar no seu consultório, conectar-se a uma rede 5G e guiar de forma instantânea e com alto grau de precisão um braço robótico instalado numa sala de operações distante.

Neste cenário de “ficção científica”, as vantagens multiplicam-se. A inteligência artificial aplicada aos mecanismos 5G promete aumentar a capacidade de prever riscos de saúde latentes para os pacientes, aproveitando uma inédita capacidade de processamento dados. E a realidade virtual ou aumentada fará com que o pessoal da saúde crie diagnósticos interactivos e construa ambientes terapêuticos por computação espacial.

Estes “Hospitais do Futuro” entusiasmam a própria OMS. A instituição está atenta ao potencial das 5G e reconhece que a eficácia, inovação e baixos custos da nova tecnologia são vitais para desenvolver a assistência médica em todo o mundo.

Angola não tem uma sólida infra-estrutura tecnológica, é certo, mas as possibilidades estão aí e é urgente tê-las em conta. Neste tratamento prolongado, o novo mundo das 5G pode ser uma das injecções de adrenalina que o coração arrítmico do nosso sistema de saúde pede a gritos.


Artigo escrito por Sílvio Almada, originalmente publicado no Jornal O País e publicado no MenosFios com autorização da assessoria de imprensa do autor.

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