Nos últimos 15 meses temos observado com entusiasmo uma agradável tendência do aumento de capital privado dirigido à startups do continente Africano. Em 2021 foram 4.9 Bi$ e 2022 promete não ser muito diferente pois ao fim de 4 meses já atingiu uma captação na ordem dos 2.0 Bi$. O sector das fintechs é o mais proiminente e não é difícil entender o motivo, os países em África têm por natureza sérias dificuldades em fornecer serviços bancários convencionais para a população, as fintechs fazem parte da solução, sobretudo quando falamos de produtos financeiros destinados à malta jovem, que é a grande maioria do continente e em franco crescimento.
Apesar dos indicadores serem aparentemente animadores, a regulamentação pesada, o fosso de competências digitais, o financiamento limitado e os mercados fragmentados apontam que África representa apenas 0,2 % do valor das startups globais. Estima-se que o segmento das startups no continente possa atrair em torno 90Bi$ até 2030 se forem tirados os proveitos adequados da ZLCA – Zona de Livre Comércio Africana e de outras condições favoráveis da região.
Que o futuro é digital, isso já sabemos, sabemos também que esta transformação se dará essencialmente por intermédio dos telemóveis e dispositivos congêneres no contexto do continente Africano. O que pouco se fala é que esta transformação deve também acontecer com a mudança de mentalidade da sociedade, já que os modelos actuais e convencionais de empresas, serviços públicos e até de consumo estão com os dias contados. Precisamos portanto refletir sobre este novo tempo ali ao virar da esquina, sobre como vamos prepará-lo ou prepara-nos para ele.
Por este motivo, muitos países têm colocado nas suas listas de prioridades temas como: desenvolvimento do ecossistema de startups e transformação digital. Sobre este segundo, é preciso esclarecer que é muito mais do que criar uma página na internet, trata-se de uma nova forma de estar e viver, uma metamorfose social. Para os governos, esta mudança significa: maior eficiência de serviços e decisão orientada à informação, para os empreendedores: novos modelos de negócios de base tecnológica, para os consumidores: mercado concorrente e soluções orientadas à eficiência e satisfação do consumidor. As startups desempenham um papel de extrema importância para o sucesso desta transformação social e digital, não só pela sua capacidade de escala e disponibilidade de serviços inovadores mas também pela democratização e inclusão digital.
No domínio das políticas públicas, alguns governos têm procurado criar novos diplomas e mecanismos que simplifiquem o surgimento das startups e fortifiquem os seus ecossistemas. A título de exemplo, a União Europeia preocupada com a concorrência dos Estados Unidos de América e da China, propôs um conjunto de medidas aos seu países membros. É o caso do Fundo Futuro de 12Bilhões $ lançado pelo Governo Alemão para apoiar empresas de inovação e tecnologia nos próximos anos. O Governo da Índia está a desenvolver parcerias com as suas aceleradoras para apoiar 300 startups locais em estágio inicial prestando-lhes suporte financeiro, mentoria entre outros benefícios. Entre estes benefícios e políticas podemos citar o exemplo da Tunísia e do Senegal que em 2018 implementaram um mecanismo que permite aos empreendedores (funcionários de outrem) “abandonarem” os seus empregos formais para concentrarem-se nas suas startups por 1 ano e regressarem ao fim deste período se assim entenderem. Países como Nigéria, Rwanda, Quénia e o Ghana já estão a desenvolver as suas prósprias versões deste mesmo conceito. Muitos jovens estão “aprisionados” aos seus empregos por causa do salário, entretanto têm vocação para outros negócios inovadores que só não avançam porque não têm tempo para eles. Aqui fica bem lembrar que tempo é dinheiro, também!
E Angola, que medidas tem tomado neste domínio? Qual tem sido o posicionamento do sector público e privado?
Este é um tema que tem surgido com maior frequência nos discursos políticos e presume-se que por força de influencers o ecossistema de startups começa a ser incluído nas análises políticas. O surgimento de iniciativas como o Angotic, Angola Tech Hub Forum (marcado para 17/05/2022), Startup Summit Angola (12/05/2022 – 14/05/2022), LISPA (Laboratório de Inovação do Sistema de Pagamentos de Angola) do BNA e a incubadora Digital.ao recentemente inaugurada pelo Presidente da República são prova disso. Em relação aos eventos, são importantes porque servem para divulgação das iniciativas que os jovens angolanos têm desenvolvido e são também um espaço de networking entre os próprios promotores.
Segundo as notícias, o Digital.ao deverá actuar como uma incubadora de startups para apoio aos jovens da SADC, mas a realidade é que a sua página na internet não reflete com clareza o seu verdadeiro propósito neste domínio. Em relação a este tema, a minha opinião é que uma incubadora desta natureza não precisa necessariamente estar vinculada ao Governo quando existem outras instituições locais, privadas, bastante capazes, que têm tentado assumir com muito esforço este papel (há anos), talvez fizesse mais sentido integrá-las para a gestão desta infraestrutura. E se o tema central for mesmo incubar, pode ser que uma análise à incubadora do INAPEM nos permita ter uma amostra mais real do que se pretende fazer. Talvez fosse oportuno apresentar algum do trabalho que tem sido feito por esta instituição, sobretudo na interação com as startups.
É preciso ter algum cuidado para não convertermos as startups em um tipo de vitrine das emoções para onde estas são chamadas quando existe algum evento “promocional” para dizer que temos. Temos mesmo é que identificar as startups existentes, as suas áreas/sectores de actuação, mapear as suas principais dificuldades, definir programas de incubação para estas, apoios financeiros (simplificados) e se possível integrá-las a projectos onde possam validar a sua proposta de valor. Os principais apoios que uma startup em fase inicial precisa são: zona de trabalho com acesso à internet, capital semente (dinheiro para pagar as despesas básicas como salário do pessoal), computadores, treinamento e mentoria. Não disponibilizar este tipo de serviços e recursos é atrasar o desenvolvimento do país neste domínio, sob a pena de reduzirmos o surgimento e a resiliência das startups no país, quando o resto do mundo está a viver o surgimento massivo destas.
E sobre esta tendência de redução, recordo-me da iniciativa da Unitel (Go Challenge) que tem procurado dinamizar também o sector, entretanto, para o seu concurso deste ano, surgem rumores que têm tido dificuldades em encontrar startups com potencial, este é um sinal que precisa ser devidamente interpretado. O que será melhor? Captar novas startups ou ajudar as poucas existentes a sobreviverem? Talvez as 2 coisas, digo eu.
Existem estruturas do Estado Angolano vocacionadas para gerar impacto expressivo neste domínio mas parece-me que estão muito distantes do ecossistema das startups. O FACRA – Fundo Angolano de Capital de Risco, existe há uns largos anos, quantas startups terá apoiado até o momento? É um dos instrumentos mais indicados para identificar e apoiar novos modelos de negócios com capital de risco, esta é a sua função principal.
O FADA – Fundo Angolano de Desenvolvimento Agrícola, estará a trabalhar com alguma startup estratégica para o sector do agronegócio? Ou pretende assumir sozinho este papel de desenvolvimento do meio rural a partir de Luanda?
Quantas startups terão participado do programa de alívio económico aprovado em 2020 que alocou 4 mil milhões de kwanzas para o apoio às startups, não se ouviu falar dos resultados desta iniciativa. Quantas startups foram beneficiadas?
Quantas startups terão participado do programa de alívio económico aprovado em 2020 que alocou 4 mil milhões de kwanzas para o apoio às startups...
No domínio das políticas públicas, que tipos de incentivos, desde fiscais e administrativos terão sido criados até o momento para o fomento do ecossistema de startups?
O investimento de 2 milhões de dólares feitos em uma nova infraestrutura para o Digital.ao talvez fosse melhor aplicado se partilhado (em parte) com as startups existentes que de forma muito sacrificada ainda subsistem e não “desligaram o servidor”. É uma questão de tempo até que as startups de outros países (que têm recebido apoios importantes) comecem a expandir-se na nossa região, ao penetrarem em Angola o mais provável é eliminarem a “concorrência local” que vive bastante sofrida, é uma questão de tempo…
Diferentemente do que acontece com as empresas convencionais, as startups não procuram crédito bancário, as startups não são empresas, são ideias disruptivas de base tecnológica utilizando modelos de negócios inovadores e flexíveis que precisam ser validadas num ambiente de muita incerteza e risco (lembram o ranking de Angola sobre o ambiente de negócios?). Portanto, não é recomendável que as startups façam este exercício com recurso a empréstimos bancários, este é o principio utilizado em quase todo o mundo. Para preencher esta lacuna de apoio financeiro existem figuras importantes para o ecossistema como: o investidor anjo, fundos de desenvolvimento e inovação, fundos de capital de risco, etc.
Concluindo, este é um tema que deve ser analisado por especialistas com uma visão estratégica para o futuro do país, precisamos fazer um exercício inclusivo com os principais stakeholders / parceiros no sentido de identificar as oportunidades potenciais onde as startups podem agregar valor à economia e sociedade angolana. Os principais actores: promotores/startupers, governo, banca – comercial e de desenvolvimento, fundos de investimento e risco, devem assumir as suas responsabilidades neste processo e encontrar soluções objectivas com foco em resultados e ganhos de eficiência. De outro modo, continuaremos a ver milhões de dólares serem investidos em infraestruturas de betão armado enquanto os criadores de soluções de alto impacto social e económico mendigam por um tostão quase impossível.
Este artigo foi escrito por Wanderley Ribeiro, originalmente publicado na sua página do Linkedin e republicado no MenosFios com a permissão do autor.