Milhões de pessoas há muito suspeitam que os seus dispositivos eletrónicos estão a ouvi-las, e agora uma fuga de informação parece confirmar essa suspeita. Um documento confidencial, supostamente de um dos parceiros de marketing do Facebook, sugere que a empresa está a espiar as conversas dos utilizadores para criar anúncios direcionados.
Este documento, divulgado pelo grupo mediático Cox Media Group (CMG), detalha como o software de “escuta ativa” da empresa utiliza inteligência artificial para recolher e analisar dados de intenção em tempo real, ouvindo o que diz através do microfone do seu telemóvel, computador portátil ou assistente doméstico.
“Os anunciantes podem combinar estes dados de voz com dados comportamentais para direcionar consumidores em potencial,” afirma a apresentação.
A apresentação menciona ainda o Facebook, Google e Amazon como clientes da CMG, sugerindo que estas gigantes tecnológicas poderiam estar a usar o serviço de escuta ativa para direcionar anúncios aos utilizadores. Este documento foi vazado para jornalistas da 404 Media, destacando as capacidades do software de escuta ativa da CMG aos potenciais clientes.
Desde que a notícia foi divulgada, a Google retirou o grupo mediático do seu site de parceiros. Num comunicado enviado ao DailyMail.com, um porta-voz da Meta (empresa-mãe do Facebook) afirmou: “A Meta não usa o microfone do seu telemóvel para anúncios e temos sido claros sobre isso há anos. Estamos a entrar em contacto com a CMG para esclarecer que o seu programa não se baseia em dados da Meta.”
A Amazon também respondeu à 404 Media, declarando que a sua divisão de anúncios “nunca trabalhou com a CMG neste programa e não tem planos de o fazer.” No entanto, o porta-voz da Amazon acrescentou que, se um dos seus parceiros de marketing violar as suas regras, a empresa tomará medidas, deixando em aberto o estado da sua relação com a CMG.
O documento detalha o processo de seis etapas que o software de escuta ativa da CMG usa para recolher dados de voz dos consumidores através de qualquer dispositivo equipado com microfone, incluindo smartphones, computadores portáteis ou assistentes domésticos.
Não está claro a partir da apresentação se o software de escuta ativa está sempre a ouvir ou apenas em momentos específicos, como durante uma chamada telefónica.
Os anunciantes utilizam estas informações para direcionar “consumidores em potencial”, ou seja, pessoas que estão ativamente a considerar a compra de um determinado produto ou serviço.
Por exemplo, se falar ou pesquisar sobre carros da Toyota, poderá começar a ver anúncios para os modelos mais recentes da marca.
“Uma vez lançada, a tecnologia analisa automaticamente o tráfego do seu site e os clientes para alimentar o direcionamento de público de forma contínua,” afirma o documento.
Portanto, se sente que vê mais anúncios de um determinado produto após falar sobre ele com um amigo ou pesquisá-lo online, esta pode ser a razão.
Durante anos, os utilizadores de dispositivos inteligentes especularam que os seus telemóveis ou tablets os estavam a ouvir. Mas a maioria das empresas de tecnologia sempre negou estas alegações.
Por exemplo, o centro de privacidade online da Meta afirma: “Compreendemos que, por vezes, os anúncios podem ser tão específicos que parece que devemos estar a ouvir as suas conversas através do microfone, mas não estamos.”
No entanto, esta fuga de informação é apenas o desenvolvimento mais recente numa série de relatos que sugerem que o seu telemóvel realmente o ouve, e que sites como o Facebook podem estar a lucrar com o que diz.
A 404 Media revelou pela primeira vez a existência do serviço de escuta ativa da CMG em dezembro de 2023.
No dia seguinte, expuseram uma pequena empresa de marketing de inteligência artificial chamada MindSift, que se gabou num podcast de usar os altifalantes de dispositivos inteligentes para direcionar anúncios.
Embora possa parecer surpreendente, a CMG afirmou numa publicação no seu blogue, entretanto apagada, que a escuta ativa é perfeitamente legal.
“Sabemos o que está a pensar. Isto é sequer legal? A resposta curta é: sim. É legal que os telemóveis e dispositivos o ouçam,” lê-se na publicação.
“Quando um novo aplicativo é descarregado ou atualizado e apresenta aos consumidores um contrato de termos de uso com várias páginas, em algum lugar nas letras pequenas, a escuta ativa está frequentemente incluída.”
Isto pode explicar como a CMG está a escapar à legislação de estados como a Califórnia, onde as leis de interceção de chamadas proíbem a gravação de alguém sem o seu conhecimento.
A CMG, uma gigante mediática americana sediada em Atlanta, Geórgia, que fornece serviços de transmissão, media digital, publicidade e marketing, não respondeu de imediato ao pedido de comentário do DailyMail.com e ainda não respondeu a perguntas semelhantes de outros sites de notícias, como Futurism e Gizmodo. A empresa gerou 22,1 mil milhões de dólares em receitas em 2022.