O padrão dos ataques informáticos que se registam em Portugal desde Dezembro tem sido o mesmo: sabotagem, com o único objectivo de destruir dados. Ao contrário dos actos de pirataria registados até então, em que os hackers anunciam um objectivo lucrativo com pedidos de resgate ou roubo de dados sensíveis para os vender, os ataques à Vodafone e aos grupos de média Impresa e Cofina destacam-se pela eliminação sistemática
de informação e paralisação de serviços.
Esta persistência em atingir alvos portugueses, assim como as semelhanças entre os ataques, levam os especialistas em cibersegurança a acreditar que Portugal está a ser alvo
de um ataque orquestrado, sem precedentes e que não será perpetrado por piratas nacionais. Ainda ontem, áreas sensíveis do Estado, como o Sistema de Segurança Interna, foram afectados pelo “apagão” da Vodafone. O caso está a ser investigado pela Polícia Judiciária e pelo Centro Nacional de Cibersegurança.
Ainda é cedo para conclusões definitivas, mas os indícios apontam para uma estratégia que consiste em sabotar o funcionamento de áreas sensíveis e mediáticas. Os danos colaterais
provocados pelo ataque informático à Vodafone levam a acreditar que a operadora foi um veículo para um propósito bem maior: mostrar que os piratas informáticos são capazes de afectar o funcionamento de um país. Bombeiros, bancos, distribuição de bens, empresas, Comunicação Social, vários setores do Estado e milhões de cidadãos sofreram com o ataque.
Há vários anos que o próprio Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) alerta para as ameaças cibernéticas a que Portugal, por estar integrado em organizações internacionais como a União Europeia ou a NATO, está sujeito. “Para além de ações encobertas de recolha de informação privilegiada/classificada protagonizada por estados que prosseguem interesses hostis às opções estratégicas da política interna e externa portuguesa, à estabilidade europeia e à missão da OTAN [NATO] – espionagem política – identifica-se também como ameaça a espionagem económica e científica”, lê-se no RASI de 2019.
MAIS: Ataque à Vodafone: Hacker russo pôs à venda acesso ilegal ao sistema de uma operadora portuguesa.
- ATAQUES CONTRA O ESTADO
O mais recente relatório alerta para “um aumento de espionagem, através de ameaças persistentes, tecnologicamente avançadas, de origem estatal, direcionados a importantes centros de informação do Estado [português]. Uma das consequências da sofisticação prende-se com a crescente dificuldade em destrinçar ataques informáticos para efeitos de crimes económicos ou de crimes de sabotagem, dirigidos a empresas e grupos de empresas com relevância no tecido empresarial nacional”, revela o RASI de 2020.
Segundo especialistas em cibersegurança, o ataque à Vodafone veio reforçar a convicção de que Portugal está a ser alvo de um ataque organizado por estrangeiros. “Pode-se enquadrar este ataque num contexto geoestratégico. Portugal é um país da NATO e pode haver quem queira testar as nossas fragilidades internas, neste contexto de ciberguerra”, disse ao Jornal de Notícias de Portugal, José Tribolet, professor catedrático de sistemas de informação.
Ontem à noite, o director da Unidade de Combate ao Crime Informático da Polícia Judicial disse que a investigação ainda está a recolher informação para perceber o que motivou o ataque e para ajudar a Vodafone na reposição dos serviços.