África é um continente de contradições: recursos escondidos sob a superfície, cidades contidas em fronteiras invisíveis e um espírito empreendedor sufocado por sistemas ultrapassados. Durante séculos, os forasteiros tentaram moldá-la, domesticá-la e extraí-la. Mas a África não é barro; é fogo – imprevisível, inflexível e agora a queimar um caminho em frente com a criptomoeda como chama.
Não se trata de uma tendência tecnológica, nem de uma moda importada que nos impressione. Em África, as criptomoedas ainda são a rebelião disfarçada de inovação. É o jovem programador em Lagos, farto de bancos falidos, que envia valores para o outro lado do oceano em segundos. É o agricultor do Zimbabué, excluído da moeda do governo em que ninguém confia, que troca cereais por Bitcoin. É a sobrevivência tornada sexy, um dedo do meio ao sistema que esqueceu as pessoas para quem foi construído. E, no fundo, é também outra coisa: uma ponte sobre as economias fracturadas de um continente desesperado por se ligar.
Criptografia sem fronteiras
As fronteiras de África sempre foram mais ideia do que realidade, traçadas por forasteiros sem qualquer consideração pelas vidas que atravessam. No entanto, durante décadas, o comércio entre essas fronteiras foi sufocado por moedas que oscilam como joelhos em mau estado e bancos que cobram taxas como ladrões de estrada. As criptomoedas não se limitam a contornar esta disfunção; eliminam-na.
Imaginemos o seguinte: um comerciante no Quénia precisa de têxteis do Gana. Tradicionalmente, este processo teria passado por um pântano de intermediários, flutuações das taxas de câmbio e semanas de atraso. Hoje, esse mesmo comerciante converte os seus ganhos numa moeda estável – indexada a algo sólido, como o dólar americano – e paga instantaneamente; nenhum burocrata toca na transação. É por isso que o preço da Bitcoin em USD passou a fazer parte do vocabulário quotidiano de quem navega neste novo mundo.
Mas o que está em causa é a justiça. Quando o custo de movimentar dinheiro através das fronteiras passa de 15% para quase zero, não se trata apenas de um ganho financeiro – trata-se de liberdade.
A revolução das remessas
Falemos de remessas. É uma palavra que não recebe crédito suficiente pelas vidas que apoia. Quase 100 mil milhões de dólares entraram em África em 2022, enviados por trabalhadores – um exército invisível que trabalha no estrangeiro para manter as suas famílias à tona. O senão? Os intermediários recebem a sua parte, muitas vezes 10%, por vezes mais, e drenam milhares de milhões das pessoas que mais precisam.
Entra a criptografia. Com um telemóvel e um conhecimento básico de carteiras digitais, os trabalhadores podem enviar valores para casa sem o estrangulamento da Western Union sobre os seus salários. Um imigrante somali em Minneapolis pode enviar Bitcoin para a sua família em Mogadíscio em minutos, sem intermediários. A família pode convertê-lo em moeda local ou utilizá-lo directamente – sem papelada, sem taxas usurárias.
Peer-to-Peer: O novo caminho de ferro clandestino
O movimento criptográfico africano não está a acontecer nas salas de reuniões elegantes dos arranha-céus de Luanda ou nos espaços de co-working à beira-mar da Cidade do Cabo. Está a acontecer peer-to-peer, uma transação de cada vez, impulsionada pela necessidade e pelo engenho.
Na Nigéria, onde o governo tentou estrangular as criptomoedas, os comerciantes adaptaram-se da noite para o dia. Eles não lutaram contra o sistema; eles o contornaram. Plataformas peer-to-peer como a Paxful tornaram-se a tábua de salvação, liga directamente os compradores e os vendedores; não era necessário nenhum intermediário. Isto não é rebelião pela rebelião – é a sobrevivência na sua forma mais pura.
E não é só na Nigéria. Em todo o continente, as criptomoedas tornaram-se o grande nivelador. Não é preciso ter uma conta bancária, uma pontuação de crédito ou a aprovação do governo. Tudo o que precisa é de um smartphone e de vontade de aprender.
As infra-estruturas são a última fronteira
É claro que a viagem das criptomoedas por África não é fácil. A conetividade é o elo mais fraco do continente. Embora a penetração dos smartphones esteja a aumentar, as zonas rurais continuam a debater-se com o acesso à Internet. Sem ela, as carteiras de criptomoedas não passam de promessas vãs.
Mas se África ensinou alguma coisa ao mundo, é que a necessidade é a mãe da invenção. As empresas em fase de arranque estão a construir sistemas de cadeia de blocos que funcionam offline, para que os agricultores das aldeias rurais possam ter as mesmas ferramentas que os comerciantes da cidade. Os quiosques alimentados a energia solar estão a levar a Internet a zonas fora da rede e os programadores locais estão a criar soluções para África e não para Silicon Valley.
O papel dos governos: Amigo ou inimigo?
Para cada história de sucesso das criptomoedas, há um governo a tentar reprimir. Alguns estão a adoptá-las com cautela, como a África do Sul e o Quénia que estão a elaborar regulamentos para equilibrar a inovação com o controlo. Outros, como a Nigéria e Angola estão a proibir e a restringir a economia criptográfica, empurrando-a para a clandestinidade, mas sem nunca a parar.
A tensão é grande. Os governos temem o que não conseguem controlar, e as criptomoedas são a própria definição de incontrolável. Mas os mais inteligentes vão perceber: a criptomoeda não é uma ameaça à governação – é uma ferramenta para reconstruir a confiança. Com sistemas transparentes, as finanças descentralizadas podem acabar com a corrupção, simplificar os serviços públicos e tornar a tributação justa.
África é o laboratório global
África não está a seguir a revolução das criptomoedas; está a liderá-la. O continente está a testar a tecnologia de uma forma que nenhuma hackathon de Silicon Valley poderia imaginar. Está a provar que as criptomoedas não são apenas um activo ou um esquema de enriquecimento rápido. É uma tábua de salvação, uma ferramenta, uma ponte.
O que funciona aqui – redes peer-to-peer, stablecoins para comércio transfronteiriço, blockchain para transparência – funciona em todo o lado. África está a ensinar-nos que a inclusão financeira não é um pormenor, que a descentralização não é uma moda passageira e que a necessidade é a mãe de todas as invenções importantes.
A revolução das criptomoedas em África não tem a ver com os manos da tecnologia ou com gráficos. Tem a ver com as pessoas – construtores, negociantes, traficantes – que tomam o que nunca lhes foi dado: controlo financeiro. Da cidade do Cabo ao Cairo, o continente está a mostrar-nos que a criptomoeda não é apenas dinheiro. É poder, agência e a capacidade de escrever a sua própria história.
E África não está apenas a virar a página. Está a queimar o livro. Devíamos estar atentos, porque enquanto o resto de nós fala do futuro do dinheiro, África está a vivê-lo.