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IA constitui “uma grande oportunidade” para os países africanos, afirma investigador

O investigador norte-americano Nathaniel Allen afirmou à Lusa que “há várias formas de africanizar” a Inteligência Artificial, uma tecnologia que, mesmo que esteja a ser desenvolvida pelas maiores potências mundiais, constitui “uma grande oportunidade” para os países africanos.

É verdade que as empresas e indivíduos nos Estados Unidos e na China estão na vanguarda do desenvolvimento da inteligência artificial (IA), especialmente para fins militares e de segurança, mas aqueles que criam a tecnologia não são necessariamente os que colhem os maiores benefícios“, afirmou à Lusa o investigador e professor de Estudos de Segurança no Africa Center for Strategic Studies (ACSS), em Washington.

Nate Allen reconheceu que, em vários aspetos, muitos dos algoritmos de IA e a forma como a tecnologia está a ser utilizada “têm potencial para – e, de certa forma, já estão a – reforçar as desigualdades entre o Norte e o Sul do mundo”, mas o desenvolvimento da tecnologia digital “não é como construir um navio de guerra ou um avião, que depende de enormes economias de escala. A tecnologia digital é barata e pode difundir-se muito rapidamente”.

Ainda que seja “barata”, como diz Allen, o seu funcionamento “é extremamente dispendioso”, contrapõe Abdul-Hakeem Ajijola, presidente do Grupo de Peritos da União Africana (UA) que desenhou a Convenção de Malabo sobre proteção de dados e uso ético da IA no continente africano.

Penso que o funcionamento do ChatGPT — plataforma da Open AI – custa cerca de 100.000 dólares norte-americanos por dia, o que implica que possuir uma plataforma de IA não é algo que a maioria das organizações africanas e até mesmo governos africanos possam suportar“, disse à Lusa o especialista nigeriano.

A inteligência artificial está madura para ajudar a resolver alguns problemas importantes em África, desde a agricultura ao setor da saúde, passando pelo sistema financeiro, mas o especialista senegalês Seydina Moussa Ndiaye alertou para uma nova “colonização” do continente por esta nova tecnologia, caso as grandes multinacionais estrangeiras continuem a alimentar-se de dados africanos sem envolver os atores locais.

Para Ndiaye — que participou na elaboração da Estratégia Pan-Africana sobre IA da UA, assim como consultor da Parceria Global das Nações Unidas sobre Inteligência Artificial (GPAI) –, essa é mesmo a “maior ameaça” da inteligência artificial no continente africano.

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“Para mim, a maior ameaça é a colonização. Podemos acabar por ter grandes multinacionais na área da IA que imporão as suas soluções em todo o continente, não deixando espaço para a criação de soluções locais”, afirmou à UN News numa entrevista recente.

A maior parte dos dados atualmente gerados em África é propriedade de multinacionais cujas infraestruturas são desenvolvidas fora do continente, onde também opera a maioria dos especialistas africanos em IA.

“Isto leva-nos a pensar que enfrentamos uma nova vaga de neocolonialismo, porque, sejamos realistas, a maioria dos algoritmos são desenvolvidos no sul da Califórnia ou nos Estados Unidos, em geral”, disse também Ajijola.

Outro elemento importante a ter em conta é o contexto da quarta revolução industrial, alertou Ndiaye. O poder da IA, combinado com os avanços da biotecnologia ou da tecnologia, é imenso, mas todas as soluções têm de ser testadas e África pode ser o local para onde as empresas olhem.

“Se não for supervisionado, podemos acabar por ter testes em seres humanos com chips ou mesmo elementos biotecnológicos integrados que melhoramos. Estas são tecnologias que não dominamos bem. Em termos regulamentares, há certos aspetos que não foram considerados. O próprio quadro de aplicação das ideias e da regulamentação existente não é eficaz”, segundo o especialista senegalês.

“Em termos concretos, e quando não se controla estas coisas, pode acontecer sem ninguém saber. Podemos ter África a ser usada como cobaia para testar novas soluções, e isso pode ser uma grande ameaça para o continente”, concretizou Ndiaye.

Os conjuntos de dados, os conhecimentos especializados, a formação dos algoritmos estão, na sua esmagadora maioria, baseados nos Estados Unidos e na China, “o que constitui certamente um perigo”, concedeu Allen.

Ainda que “compreenda” as preocupações de Ndiaye, Allen disse acreditar que, “uma vez identificados certos preconceitos, é possível atenuá-los”.

“Não tenho a certeza se a narrativa que diz que as grandes potências mundiais vão ser as únicas a beneficiar da disseminação da tecnologia, mesmo que sejam elas a desenvolver, é completamente exata”, afirmou.

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