Na altura em que me tornei num integrante activo da grande teia da informação, contavam-se os conteúdos gerados em Angola ou por Angolanos.
Imaginem então conteúdo relacionado com Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), era praticamente nulo. Digo “praticamente nulo” porque alguns “revolucionários” tentavam incentivar a comunidade em Angola. Um deles é o homem chamado à mesa de entrevistas do MenosFios. O seu nome é “Benone Marcos” ou “Seckt0r” (para os leitores mais especializados…)
Abaixo fica a pequena conversa que tivemos com o Benone, alguém que conhece realmente os meandros da Tecnologia em Angola.
Menos Fios(MF): Primeiro, para situar alguns dos nossos leitores, pode fazer uma pequena apresentação, baseada no seu trabalho exposto na web (fóruns, blogs…)?
Benone Marcos(BM): Idealizei e implementei o TIangola, originalmente com objectivo de centralizar a comunidade de TI angolana (independente da localização geográfica). Entre as várias implementações originais do TIA, tivemos um fórum e um blog totalmente voltados a tecnologia. Lá também apresentava os projectos meus e dos outros colaboradores geralmente fazendo uso da tecnologia para o ensino/beneficio do país; como exemplo tinha o aOS (mais sobre isso abaixo) o putonet – um projecto do Wanderley, não sei a que pé anda no momento; entre outros.
No decorrer dos anos e várias encarnações do TIA contei com a ajuda de vários amigos que contribuíram em vários sentidos – Azer (aka fir0n), Wanderley, Odóxio, para citar alguns.
No momento eu mantenho um blog pessoal (www.benone.org) onde falo de qualquer coisa que considere relevante para mim ou para os demais… sempre com o foco voltado para o país, porém meus tópicos principais continuam sendo tecnologia, educação e fotografia.
MF: Uma pergunta que não falta: há quanto tempo tem contacto com a internet?
BM: Não me lembro com exatidão da data (mês/ano) que tive o primeiro contacto com a Internet mas acredito que foi algo entre 1994-1996. Na época era internet discada (dial-up) com um modem USRobotics de 28kbps (externo, só para complicar a minha vida). Lembro que quando entrei online pela primeira vez (por ser dial-up) eu pensei que se acessasse sites de fora do país seria cobrada tarifa internacional, então tentei me limitar a sites nacionais (Brasileiros – onde eu estava) como o Cadê, por exemplo 🙂
MF: É Conhecido por ter criado o TI Angola (Site de notícias, Fórum, Empresa…), qual é a situação actual do TIA?
BM: O TIAngola é hoje uma empresa formalmente constituída. Trabalhamos como prestadores de serviços de TI, venda de equipamento e . A formalização como entidade jurídica foi uma passo necessário a ser dado de forma a haver suporte para os projectos sociais/comunitários que estão em fase de planeamento visando estimular o sector de tecnologia no país. Acredito que nos próximos meses, poderemos passar a anunciar ao público maiores detalhes sobre tais projectos, mas quem me acompanha online já deve ter ideia do que se trata.
MF: Um projecto promissor (é) era o aOS (Angolan OS), uma distribuição Linux made in Angola. Pode nos explicar de onde surgiu a motivação para esse projecto?
BM: Isto talvez seja um pouco difícil de explicar, mas vamos lá… Grande parte da motivação veio da vontade que sempre tive de fazer algo útil e partilhar com os demais… a base do conceito da comunidade open source.
Na época eu era um ávido estudante de Sistemas Operacionais e estava fascinado pelos textos de Tanenbaum, Torvald e outros sobre implementações de várias teorias e algoritmos nos vários ‘unices’ (Minix, Linux, etc.). Por ter como principal método de aprendizado a prática, resolvi unir o útil ao agradável: aprender mais sobre a dinâmica de desenvolvimento e manutenção de uma distribuição Linux e ao mesmo tempo estimular a participação dos nossos estudantes e profissionais, oferecendo uma solução robusta para os mais diversos usos.
A Canonical (desenvolvedora do Ubuntu) – outra grande fonte de estímulo – já provou a anos que é possível e funciona quando se tem um suporte forte da comunidade; acho que devemos sempre aprender com os bons exemplos dos outros que passaram pelos mesmos terrenos (ou parecidos) que o nosso.
MF: Há muito que não ouvimos falar do aOS, mas, em caso de continuidade, o que esperar do aOS quanto a:
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Custos (seria uma distribuição grátis ou paga?)
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Aplicações (Navegador, ciente de e-mail, comunicador instantâneo, leitor de música, editor de fotos, office suite personalizados ou genéricos?)
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Versões (desktop e Server Editions, 32-bit e 64-bit)
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Virado para que tipo de utilizador? Utilizadores comuns (End-Users) ou Especialistas( PowerUsers)?
BM: O aOS segue o modelo de todas as outras distribuições GNU/Linux licenciadas sob a GPL (v3). Significa dizer que seria totalmente livre e código aberto. Para entenderem melhor o que diferenciaria o aOS das demais distribuiçoes, preciso explicar um pouco do conceito básico delas.
Veja, existem atualmente 4 principais distribuições GNU/Linux: Debian, RedHat, Slackware e Gentoo. 98% das demais distribuições são alguma variação de uma dessas distribuições. O que difere essas 4 distros entre outras coisas são o sistema de gerenciamento de pacotes o sistema de inicialização. Cada uma delas usa próprios conceitos ou variações dos conceitos existentes como solução do problema. Para o aOS eu estava desenvolvendo um sistema de gestão de pacotes próprio, diferente do apt (.deb), rpm, tgz ou constante compilação (Gentoo)… se seria melhor ou pior é outra questão :); mas a ideia era criar um sistema mais otimizado e com repositórios próprios mantidos em servidores locais (Angola) e espelhos em qualquer outro lugar possível. Isto envolveria também ter uma equipe dedicada na manutenção dos pacotes – compilação, verificação de dependências, estabilidade, etc. – um envolvimento completo da comunidade. GNU/Linux é tudo sobre comunidade.
Sendo GNU/Linux, todas as aplicações que rodam nas demais distribuições poderiam rodar no aOS. Haveria no momento do lançamento um pacote com as aplicações ‘padrão’ – que seriam instaladas com o sistema – mas o usuário seria livre para instalar qualquer outra de acordo com a necessidade. Mas com relação à aplicações, um dos objectivos era abrir espaço para os nossos programadores/desenvolvedores criarem as suas ferramentas/aplicações que atendessem a necessidades específicas da nossa realidade e o nosso mercado. Do meu ponto de vista, entre uma aplicação nossa e outra de fora com a mesma funcionalidade e qualidade, é óbvio que eu escolheria a nossa. Isso poderia abrir a porta para os nossos desenvolvedores mostrarem o seu trabalho a nivel internacional.
Versões: 34bits e 64bits. É trivial fazer o lançamento nas duas arquiteturas. Basta uma recompilação.
Uma das coisas ótimas no GNU/Linux é que ele pode ser focado tanto para o utilizador comum como para o especialista num mesmo lançamento, podendo ser implementada um sistema de escolha do perfil desejado, como muitas outras faziam num passado próximo. Haveria ainda a opção de seguir o conceito da Canonical e distribuir versão customizadas do aOS (aOS-Profissional, aOS-Design, aOS-Media, etc).
MF: Como avalia a comunidade “Open Source” em Angola, é activa, mostra trabalho…?
BM: A coisa de 5 anos atrás houve uma iniciativa muito interessante de se criar a Associação de Software Livre aqui em Angola. Encabeçada pelo Márcio Cândido, a mesma teve a aderência de indivíduos com considerável relevância na área de TI em Angola. Quando fui convidado pelo Márcio para fazer parte da ASL fiz o possível para dar o meu contributo, o que incluiu explicações técnicas aulas e palestras mas, infelizmente com o tempo notou-se: 1 – a falta de pessoal técnico capacitado nas bases na associação; 2 – membros chave da associação com objectivos divergentes do estabelecido pelo órgão. Isto e talvez alguma falta de organização acabaram por deixar o projecto morrer.
Fora o caso acima, eu não tive mais nenhuma experiência em Angola relacionada a Open Source em nível organizacional. No momento não tenho conhecimento de nenhum esforço nesse sentido – se alguém tiver, favor avisar 🙂
Continuo sendo de opinião que se tivéssemos os nossos acadêmicos mais voltados à pesquisa e desenvolvimento open source teríamos de forma geral uma área mais forte.
MF : Tentou-se avançar com o projecto “Angolinux” para promover a inclusão digital. Na sua óptica, o que falhou nesse projecto?
BM: Eu não acompanhei tão de perto o projecto Angolinux e portanto não acho que esteja devidamente qualificado para apontar quaisquer erros ou falhas no mesmo. Lembro-me no entanto que em algum momento me foi entregue uma cópia da distribuição em CD e pelo que vi, tratava-se da distribuição Mandriva (ex-Conectiva + ex-Mandrake) com um papel de parede ‘nacional’. Eu acho que mudar o tema ou o gerenciador de janelas de uma distribuição não é o suficiente para se definir como uma nova distribuição. Por outra, não sei até que ponto a entrega esteve de acordo com o definido no projecto… Seja como for, ou aconteceu uma falha no desenvolvimento ou no próprio projecto, mas como disse, não tendo maiores informações eu não posso apontar falhas de forma construtiva.
De qualquer das formas, outro ponto que talvés não tenha sido bem atacado é o da comunicação (marketing) da solução desenvolvida.
MF: Já em 2008 alertava aos programadores sobre as questões das licenças digitais, vê o software livre como uma solução para esse problema?
BM: A nível empresarial e governamental, a simples adoção de software livre reduziria consideravelmente os custos eu imagino que existam com as licenças dos sistemas e aplicações proprietárias. A nível acadêmico, possibilitaria as instituições acadêmicas não só redirecionar as verbas gastas em licenças a outros recursos de maior importância para os estudantes como daria a possibilidade de um estudo mais aprofundado de sistemas e aplicações já existentes por parte dos mesmos alunos, expandindo e fortalecendo o sector no país.
O Brasil e o seu esforço centralizado e organizado de desenvolvimento de plataformas de suporte ao serviço público tem servido como exemplo neste caso. Sob tutela do governo federal, existe um trabalho no sentido de estimular a adoção de softwares livres em órgãos públicos (prefeituras, administrações, escolas públicas, etc)… e funciona.
Respondendo à sua pergunta: sim 🙂
MF: Conselhos para novos programadores?
BM: Antes de mais nada quero deixar claro que eu não sou um programador/desenvolvedor. Eventualmente escrevo código para atender a alguma necessidade particular (projectos, etc); mas isto não me define como programador.
Aos novos programadores: lembrem-se sempre da primeira matéria/cadeira que vocês aprendem na escola ou seja qual for o curso de programação que fizeram: Lógica de Programação. Escrever código nada mais é do que aplicar a lógica de programação usando um vocabulário de sua escolha que pode ser aprendido e dominado a qualquer momento.
Um programador deve ser capaz de escrever código na linguagem que for mais apropriada para o projecto que tem em mãos e não se limitar a ‘saber programar em <insira o nome da linguagem aqui>’ por assim foi treinado. É necessário conhecer a tecnologia para conseguir implementá-la como e onde for necessária.
O mercado mundial tem uma carência por programadores. O conceito de Apps e Apps Market já está consolidado e para fazer parte dele, temos que entender e saber usar as plataformas disponíveis e apresentar trabalho (código, neste caso) de qualidade. É necessário que passemos a produzir conteúdo internamente e perder a dependência pelo externos… e isso é algo que felizmente depende só de nós. Seja os programadores, criando apps e/ou plataformas, seja o público em geral a fazer uso de tais apps e plataformas. O modelo funciona em qualquer parte do mundo, vide India, China, EUA ou qualquer outro país independente da condição financeira. A nós falta abrir os olhos e por as mãos na massa (ou dedos nas teclas).
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A equipe MenosFios agradece a disponibilidade do Benone Marcos, que dispensou o seu tempo para compartilhar as suas visões sobre o estado actual das TICs em Angola, focando-se no Software Livre.
Resta também agradecer ao Cláudio Gonçalves pela contribuição na entrevista.
O espaço de entrevistas continuará, com outras personalidades, outros temas… fiquem atentos.
O Sr Benone falou muita coisa interessante, destacando uma menos importante hoje, que é o uso da conexão dial-up “tive o prazer de usar nas minhas primeiras apuradas na net (2004) e hoje nem por castigo teria vontade em voltar a reusa-la porque a que conheci sua velocidade muito lenta. Outro grande ponto foi o conselho dirigido aos programadores “Um programador deve ser capaz de escrever código na linguagem que for mais apropriada para o projecto que tem em mãos e não se limitar a ‘saber programar em ’ por assim foi treinado.” Me senti pequenino.
Entrevista boa Cognitivo, mais uma e a minha admiração pelo teu trabalho só aumenta.
Valeu pessoal do @MenosFios
Valeu pelos comentários e elogios. O Benone Marcos merece mesmo um reconhecimento maior.
Quanto a mim, só fazendo o meu trabalho, com muita ajuda 😉
Well.Thank you very much, i like the fact that he mentioned a lot important stuff but as a typical computer scientist,i would like to see the source code of aOS. please feel free to email me at [email protected]. Then i will proceed to talking with you about OS development.
Comentário: O aOS, não é o único projecto dos grandes em Angola, tem um outro OS criado do ZERO, sendo desenvolvido nas sombras, creio eu que será divulgado dentro em breve.
aOS em 2012, mas aguardaremos pelo grande projecto…