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CEO da Huawei Angola fala sobre os planos da empresa

Em Luanda, nos escritórios angolanos da Huawei, uma das maiores empresas de telecomunicações do mundo, tenta-se esquecer a guerra comercial ditada pelos EUA e Reino Unido e animar a visão sobre Angola, enquanto a Covid-19 se encarrega de estilhaçar os restantes planos e sonhos geracionais de curto prazo. É a gestão possível em períodos de instabilidade.

Com mais de 20 anos de presença oficial no país e 1300 postos de trabalho directos, a Huawei Angola apresentou um novo CEO (ou “Chief Executive Officer”, no acrónimo em Inglês, equivalente a PCA presidente do Conselho de Administração), Chu Xiaoxin, em Abril.

“Em todo o mundo, o novo coronavírus obrigou as pessoas a repensar o seu estilo de vida. Isto vai realçar ainda mais a importância da conectividade” e dos serviços de telecomunicações, acredita o gestor de nacionalidade chinesa em conversa com o Jornal de Angola.

A entrevista com Chu Xiaoxin aconteceu por vídeoconferência, com a utilização de uma plataforma virtual que se projectou internacionalmente com a pandemia e com a necessidade de desenvolver novas formas de comunicação e de trabalho remoto.

Empresas que sempre foram extremamente zelosas com a presença dos trabalhadores em ambiente de escritório mudaram de opinião e de método de trabalho em poucos dias. A necessidade é quase sempre mais forte e mais ágil do que as convicções.

Chu Xiaoxin, nascido em 1986, formado na Universidade de Nanjing em Ciências da Computação, apresentou-se de forma profissional e a conversa seguiu pelos caminhos previamente anunciados.

O gestor revelou que ainda não conhece bem o país, mas manifestou-se “surpreendido pela positiva” com as infra-estruturas que encontrou na capital. Mesmo assim, lembra que Angola ainda está distante da penetração dos serviços móveis que se verifica noutros países africanos, como a Nigéria, Quénia, Ghana e África do Sul.

“O mercado das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em Angola ainda é mais lento do que nos países vizinhos”, frisa Xiaoxin.

Segundo os dados do Instituto Angolano das Comunicações (INACOM), regulador do sector das TIC, a taxa de penetração móvel estava nos 49 por cento da população até ao fim de 2019. Na Nigéria, Quénia, Ghana e África do Sul, a penetração móvel ultrapassa os 80 por cento. Esta realidade não é alheia à dificuldade em investir no país, sobretudo nos sectores mais rentáveis, onde existem competidores nacionais já estabelecidos e com fortes relações privilegiadas com decisores políticos e reguladores.

“Angola tem muito espaço para melhorar”, considera Chu Xiaoxin, que fala no estilo de quem alerta para uma oportunidade de negócio e desenvolvimento económico.

Para acompanhar a passada dos principais mercados africanos de telecomunicações, é necessário investir em infraestruturas, melhorar o ambiente empresarial e a regulação do sector, ainda muito dependente do Governo.

“Desde os anos 2000 que Angola tem construído activamente a infra-estrutura de telecomunicações”, considera o gestor, mas são necessários mais esforços, “para acelerar o desenvolvimento” das TIC.

“Vamos tomar o número de estações-base sem fios como um exemplo: em Angola, cada 11 mil utilizadores tem acesso a uma estação-base. No Quénia, são 3.000 pessoas por estaçãobase. Na África do Sul, uma estação-base serve 1.500 pessoas. Além disso, só 68 por cento da população angolana beneficia de rádio cobertura, o que significa que mais de um terço dos angolanos vive em áreas sem qualquer rede”, explica Chu Xiaoxin.

A concentração de utilizadores em estações-base sem fios resulta em acessos mais lentos e menor conectividade: resulta em pior serviço, no fundo, e potencialmente mais caro. A entrada de novos operadores de telecomunicações nos próximos meses pode ter algum impacto nas infraestruturas do sector o quarto operador, Africell, pretende iniciar nos próximos meses, enquanto a Angola Telecom mantém em aberta a possibilidade de utilizar a terceira licença que lhe foi atribuída.

“Em primeiro lugar, os novos operadores vão construir infra-estruturas, como estações-base sem fios e redes ópticas, que vão promover o desenvolvimento do mercado de comunicações móveis. Em segundo lugar, a chegada de novos operadores fornece aos usuários maior capacidade de escolha e serviços diversificados”, disse Chu Xiaoxin.

5G: Guerra comercial ou espionagem?

Nos planos da Huawei Angola mantém-se a inauguração (prevista para 2021), em Luanda, de um centro de inovação avaliado em 60 milhões de dólares.

O centro vai fazer parte das instalações da empresa em Angola, que ainda incluem um centro de formação e certificação profissional (depois de ter formado 68 pessoas em 2019, prevêem-se mais 300 angolanos certificados pela Huawei em 2020) e um centro de experiências, onde são divulgadas as novas tecnologias, produtos e soluções disponíveis.

A actividade principal em Angola, no entanto, está focada nos serviços de conectividade, venda de telemóveis e na instalação e gestão de redes de telecomunicações (de fibra óptica, por exemplo).

Internacionalmente, a companhia chinesa também é bastante relevante na distribuição de componentes (chips e outras peças similares). Os seus principais clientes são os operadores de telefonia móvel do país, o que significa que o tráfego de chamadas e de Internet dependem, em larga medida, de infra-estruturas montadas pela Huawei. Não é assim apenas em Angola. A multinacional fornece 45 dos 50 maiores operadores de telefonia móvel do mundo, cenário que pode mudar radicalmente com as sanções aplicadas pelos EUA.

Também fornece o mesmo tipo de serviços ao sector empresarial e governamental, como na produção e distribuição de energia, transportes (gestão de aeroportos e ferrovias) e governação electrónica.

Pressão dos EUA

Mas para lá dos negócios em Angola, a Huawei enfrenta uma pressão tão forte dos EUA e Reino Unido que depois deve alastrar-se aos países aliados -, que pode comprometer grande parte da trajectória vencedora da empresa chinesa, sobretudo nos mercados mais desenvolvidos e ricos.

No limite, o cerco que está a ser montado pode impedir, por exemplo, o acesso dos aparelhos da marca Huawei a aplicações como facebook ou whatsapp, entre outras dificuldades. Uma decisão deste género colocaria em risco todo o modelo de negócio da multinacional chinesa, que apresentou uma facturação de cerca de 65 mil milhões de dólares apenas nos primeiros seis meses de 2020. A Huawei é, neste momento, a marca de telemóveis mais vendida no mundo, à frente da Samsung (Coreia do Sul) e da Nokia (Finlândia). Só que o Governo de Donald Trump parece não querer saber dos futuros impactos internos e externos da exclusão da Huawei das redes de última geração, também conhecidas por 5G. Esta tecnologia vai expandir e melhorar os serviços destinados aos carros autónomos, robôs, cirurgias remotas e outras aplicações modernas. O potencial é incrível. Mas são tecnologias ainda mais invasivas, que necessitam de aceder a mais informação pessoal ou privada, com relevantes impactos de segurança que devem ser considerados.

Com presença em África desde 1998, a Huawei defende que a utilização e o acesso a dados pessoais e informações privadas deve ser analisado por via da regulação e do cumprimento das leis.

“Todo o sector (operadores, governos,reguladores,utilizadores) tem responsabilidades nesta questão”, disse Chu Xiaoxin.

“Mas, neste momento, temos de continuar a servir os nossos clientes. É o foco da Huawei. Algumas coisas não dependem só de nós e da nossa vontade. Desde o ano passado que sentimos a pressão a aumentar, mas devemos estar focados apenas em criar valor para os nossos clientes”, acredita o líder da multinacional chinesa em Angola.

Outra questão que os detractores das empresas tecnológicas chinesas colocam em cima da mesa, relacionada com as dúvidas sobre a segurança dos dados e com a possível espionagem política e comercial, está relacionada com a sua gestão e propriedade. Os EUA acusam abertamente a Huawei de ser controlada pelas altas estruturas militares e políticas da China. Oficialmente, no entanto, é uma companhia privada inteiramente detida pelos seus empregados, por via das organizações sindicais (104 mil 572 trabalhadores possuem acções da empresa). O fundador, Ren Zhengfei, mantém-se com 1,04 por cento do capital social.

Apesar de auto-denominar as suas regras de governação corporativa como “sólidas e eficazes” e de trabalhar com auditores independentes (a KPMG, no caso), para conduzir auditorias financeiras e divulgar relatórios anuais, a ligação aos sindicatos num regime de forte vigilância social, praticamente sem liberdade política, de associação e de expressão, sugere que a relação com o Governo chinês é realmente próxima.

“O ambiente externo e as modificações macroeconómicas terão, indubitavelmente, um impacto na nossa actividade”, reconhece Chi Xiaoxin.

Contudo, acredita que a situação “é manejável” em Angola por várias razões, sobretudo, pela necessidade de transformação tecnológica que o país enfrenta e pelo conhecimento que a empresa acumulou sobre o mercado nacional. A Huawei nega todas as acusações de espionagem e diz que se trata, na verdade, de uma guerra comercial.

Os EUA, se pensarmos em Edward Snowden, só para citar um exemplo, e nas suas revelações (denunciou a existência de programas massivos de vigilância online dos cidadãos em geral, dirigidos pelos serviços secretos), também se encontram numa posição delicada. No fundo, são tácticas antigas. Afastar para manter o poder. Deslegitimar para menosprezar. Os atingidos também procuram reverter a tendência, lutam, esbracejam, tentam contornar. O mundo segue, agarrado ao inevitável telemóvel e, agora, ao pegajoso álcoolgel. Há vírus assim.

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