Artigo de autoria de Vanda de Oliveira , publicado no MenosFios com a permissão da autora.
Aviso: Esta publicação é mais um desabafo, pois trabalho na área das TIC (incluindo organização de eventos) e com startups há seis anos, logo é a minha praia. E é estritamente a minha opinião baseada na minha experiência, e desde o momento que presenciei o anúncio do ANGOTIC 2018.
Background:
Desde os meus tempos de estudante tenho participado em inúmeras conferências/fóruns de carácter internacional. E particularmente desde 2012, que estou envolvida no mundo das startups e tecnologia, não só participei como também estive envolvida na organização de alguns eventos. Por isso, atrevo-me a afirmar que sei o que faz de um evento um sucesso e como se organiza um bom evento em geral, e TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) em particular.
Primeiramente fiquei a saber do ANGOTIC aquando de uma carta convite recebida a 1 de Maio de 2018 para a conferência de imprensa do lançamento do ANGOTIC 2018 no dia 3 de Maio de 2018. Após a conferência de imprensa, fiquei entusiasmada com o evento principalmente pela abertura à participação de startups tecnológicas, conforme anunciado. Entretanto, contactei a organização para mostrar a minha disponibilidade através da Bantu Makers, sendo nós uma organização também com um papel de catalisadora para o empreendedorismo tecnológico e inovação, para ajudarmos a dinamizar o espaço startup durante o evento. Enviei proposta e ainda participei em duas reuniões iniciais com a organização em relação ao Espaço Startup. Infelizmente, a comunicação pobre, depois por sentir que não havia vontade suficiente da outra parte em aceitar a realização da nossa proposta (lembro que estávamos a menos de dois meses do evento e alguma celeridade teria sido importante) entre outras situações que não merecem aqui fórum, acabei por não insistir em realizar a nossa iniciativa no âmbito do ANGOTIC 2018 (mas irá acontecer ainda este ano), pois fiquei desmotivada e o tempo corria. Ainda assim, considerei importante participar, pois afinal iria haver uma Tenda Startup.
O Evento:
Na semana que passou — 19 a 21 de Junho — aconteceu em Luanda o ANGOTIC ICT Forum 2018, organizado pelo Ministério das Telecomunicações e das Tecnologias de Informação (MTTI), no qual participei com a Bantu Makers e as nossas startups Salo e Deya.
Começo os meus comentários pelo saldo positivo sobre o ANGOTIC 2018. Foi sem dúvida uma boa oportunidade de exposição (sem custo de entrada para as startups) a um público maior, só pecou os meios de comunicação não aprofundarem algumas startups inovadoras presentes. Foi uma boa oportunidade de networking, para aprender sobre o que anda ser feito por cá em termos de tecnologia e inovação. Foi também bastante positivo a visita à Tenda Startup do Presidente e Vice-Presidente, este último até parou no nosso stand e ouviu o nosso pitch. Assim como tivemos a oportunidade de networking com alguns PCAs e CEOs de grandes empresas entre outros executivos e potenciais investidores.
De facto, a inscrição para startups (o termo aqui é usado de forma livre, já lá vamos) foi gratuita (patrocinada pelo MTTI), mas ao contrário do que tenho ouvido, argumento que não foi um favor que nos foi feito, pois para além de ser uma organização de uma instituição do estado, ou seja, pública, de todos nós angolanos, é mais do interesse público tomar conhecimento que existem startups em Angola (ou será que tenham participado só as de Luanda?) que estão a criar e fazer o seu caminho independentemente das condições (im)possíveis. Então, nós startups é que fizemos um favor ao dispensar tempo, energia e dinheiro (porque tivemos gastos em transporte, alimentação e merchandising para os 3 dias do evento) para participar no evento, quando temos um negócio para desenvolver e crescer — notem que estivemos 3 dias numa tenda a expor, a repetir o pitch (apresentação) do nosso negócio vezes sem conta às centenas de pessoas que por lá passaram, e isto é um trabalho desgastante e nem todas aquelas pessoas são o nosso mercado alvo — então, não foi um favor que nos fizeram, foi uma oportunidade que beneficiou ambas as partes: a organização por ter algo diferente e inovador para mostrar ao público e às startups pela exposição ao público em geral e aos meios de comunicação também em geral.
Na Tenda Startup, “com o objectivo de perceber a dinâmica e nível organizacional das startups tecnológicas angolanas” ou como ouvi alguns participantes do evento chamar-lhe de forma divertida “Praça Startup” — esclareço , não no sentido pejorativo mas porque o espaço diferenciou-se do resto do espaço do evento pelo calor, movimento entre as bancadas startups e creio também fluxo de pessoas — estiveram cerca de 30 “startups” e coloco o termo entre aspas, pois do meu conhecimento e experiência de 6 anos a trabalhar com startups tecnológicas e não-tecnológicas e sabendo bem o que diferencia uma startup de uma empresa convencional, não posso considerar as 30 presentes startups no verdadeiro sentido da palavra. Mas não me vou alongar a esmiuçar aqui o conceito de startup, porém deixo este artigo que escrevi — noto, não inventei a definição de startup, limitei-me apenas a juntar as várias definições por quem pesquisou e sabe muito mais do que eu sobre o tema — e desafio o leitor a pesquisar mais definições de startup e a partilhar (pode ser via respondendo a esta publicação).
Portanto, respeitando o conceito startup, argumento que estiveram não mais de 15 startups em diferentes estágios (fase de ideia/protótipo não funcional, ou seja, ainda não disponível no mercado; fase inicial; fase de crescimento).
Pontos a melhorar:
- Comunicação e Processo de inscrição : É facto que não houve tempo suficiente de preparação para o ANGOTIC 2018, creio até para todos os expositores. Logo, também o tempo de comunicação não foi suficiente (fiquei estupefacta ao saber que algumas grandes empresas com negócios digitais não soubessem do evento atempadamente). A inscrição ocorreu online, sem necessidade de nos deslocarmos e preencher papéis. Mas depois não recebemos mais nenhuma informação ou comunicação, nem sequer uma confirmação, pois o único email recebido foi o da submissão da inscrição. Entretanto, através dos contactos de apoio disponibilizados não obtivemos respostas. As informações só começaram a chegar na sexta-feira, dia 15 ao final do dia via e-mail. Por ter também falado com outras empresas a participar, sei que esta falta de comunicação atempada foi uma falha geral por parte da organização.
- Logística: logo no primeiro dia ao chegar à Tenda Startup não havia energia (durante 2 horas!!!) e foi preciso intervenção “superior” para que o problema, que até era simples, se resolvesse. É chato que até num evento destes que para resolver um simples problema é preciso ter contactos superiores, quando os expositores devem ter um tratamento de respeito igual.
- Logística da Alimentação: atrevo-me a dizer que houve pessoas que passaram fome pelo menos no primeiro dia, novamente foi a falha na comunicação com os expositores e participantes. Isto porque primeiro não foi bem comunicado sobre as restrições no acesso aos coffee breaks/almoços e as opções de compra de refeições eram escassas e desconhecidas a muitos participantes. Fica a dica para num próximo evento fazerem parcerias com startups como Tupuca e LNL para que ninguém fique sem opções.
- Acessos e Segurança: Percebo que durante muitas décadas o país viveu (e se calhar ainda vive) em clima de medo, com mentalidade bélica, e até percebo o aparato de segurança necessário para a vinda do Presidente (no primeiro dia) e Vice-Presidente (no segundo dia). Estacionar foi uma experiência horrível, principalmente no último dia. Durante os dois primeiros dias onde tivemos a participação daqueles dois representantes máximos do estado, foi possível aos expositores e participantes aceder ao parque do hotel onde está localizado o recinto do evento, mas só no último dia é que decidiram mudar as regras e sem aviso prévio já não era possível estacionar no parque. Pareceu-me que havia muito “chefe” a mandar na mesma coisa. Não houve comunicação eficiente numa coisa tão simples.
- Acesso às plenárias — mais uma vez a falha na comunicação levou os participantes a acreditar que o acesso às sessões na programação (talvez uma das principais razões para participar num evento destes) fazia parte da experiência em participar no ANGOTIC 2018, mas não foi bem assim. O acesso era restrito a determinados participantes, expositores não podiam assistir. No entanto, a falta de audiência levou a organização a reconsiderar (afinal, ficaria mal mostrar na TV cadeiras vazias). Confesso que senti um certo elitismo irritante e descabido nesta questão (e também na alimentação), pois não é um dos objectivos deste Fórum ser uma plataforma de aprendizagem e networking? E em geral, os vários feitos e desfeitos por parte da organização não deixaram boa impressão. Deixo a sugestão para que o próximo seja menos snobe e mais inclusivo.
- O catálogo oficial foi-nos entregue no último dia (21) do Fórum, juntamente com o formulário de feedback — talvez porque algumas das questões no formulário referiam-se ao catálogo.
- Conheço algumas boas startups tecnológicas (estágio inicial e de crescimento) e não tecnológicas que não participaram no ANGOTIC 2018, e segundo apurei foi por falta de informação/comunicação efectiva por parte da organização e por não sentirem que o evento iria acrescentar valor. Fica a dica para melhorar na campanha de marketing.
Em conclusão, o ANGOTIC 2018 em termos de experiência como expositora e participante foi talvez o pior evento deste género no qual participei, mas na teoria tinha tudo para ser mais bem organizado, interessante, inovador e inclusivo não só para as startups, como também para todos expositores e participantes. Em suma bem mais proveitoso. E creio que não foi por falta de feedback, pois logo que tomei conhecimento do evento entrei em contacto com a organização para com propostas para ajudar a dinamizar o espaço startup e ainda participei em duas reuniões iniciais onde também deixei os meus comentários.
Consigo pensar em tantas formas (desde workshops, painéis, startup pitches, meet-ups, etc.) para fazer do ANGOTIC muito melhor, mais proveitoso, interessante e internacional, quer para expositores , convidados e participantes, de forma a atrair mais público não só cá de dentro como principalmente de fora, mas fica para outro momento.
Acredito que podemos fazer melhor, temos pessoas que podem fazer melhor. Se permitirem quem sabe fazer melhor ser incluído, não por cunha, mas por mérito, então não dúvido que o ANGOTIC possa realmente vir a transformar-se num evento no mundo das tecnologias de referência em África.
Aproveito ainda para sugerir que precisamos de mais eventos TIC em Angola e lançar o desafio às iniciativas/organizações privadas para organização destes.